terça-feira, 23 de setembro de 2014

Sobre se apaixonar errado


Duas cortesias pra uma baladinha alternativa era o que eu tinha pra sábado, chamei um amigo e fomos dar uma sacada na festa. Quando chegamos estava tocando Beirut, observei aquelas gentes. Gente efusiva, gente estranha, gente querendo gente e Cecília. Cecília não era a mulher mais bonita da festa, mas foi a que me chamou mais atenção pois eu havia stalkeado o facebook dela dias antes. Ela estava usando um bigode desenhado do Dalí. Sim, uma mulher bonita, feminina, sozinha e usando o bigode do Dalí. Não era uma festa a fantasia, ela não possuía nenhuma desculpa para estar daquele jeito, era apenas o que eu chamo de liberdade estilizada. 

Pensei em várias formas de abordar Cecília, a primeira foi: levar uma bebida; mas desisti porque isso é típico de quem quer dar em cima, e eu queria algo que soasse com mais naturalidade. A segunda foi: aproximar-me e fazer um trocadilho com o bigode do Dalí - mas eu não quis dar um de engraçadão e forçar a barra. A terceira: pedir para o meu amigo informar que havia um cara interessado em conhecê-la, mas eu não quis retornar a quinta-série com essa atitude e reforçar pra um desconhecido a minha covardia. O fato é que eu estava curioso, queria saber o porquê de ela estar usando aquele bigode. 

Fiquei sentado tentando criar coragem, enquanto me embriagava a noite toda, observando ela dançar sozinha. Meu amigo circulava com uma garota que ele havia conhecido ali mesmo. Não sei por que eu sempre acabo assim, sabe? Vendo a vida passar, como se ela fosse feita pelas cores e sons dos outros, apenas. Estou envolto num silencio que me faz reprimir minhas vontades repentinas. Foi-se o tempo de se apaixonar certo. Eu não consigo forjar coragem, alegria, simpatia e todas essas coisas que os outros esperam de alguém. Estou fodido e resignado. 

No final da festa ela foi embora acompanhada pelo primeiro cara que se aproximou oferecendo uma caipirinha. E eu fiquei sem Cecília e sem respostas. Fui embora sozinho, pois meu amigo já tinha descolado a fodinha da noite. Amanheci com uma ressaca daquelas que vem embutido um pacote de promessas junto. Na próxima vez, preciso me lembrar de duas coisas: não olhar pra nenhuma garota bonita enquanto toca Beirut e desligar as lembranças apodrecidas que sempre me vencem. E quem sabe assim eu me apaixone certo - terei Cecílias ao invés de analgésicos.

Imagem: Rosa meditativa, Salvador Dalí.



domingo, 24 de agosto de 2014

Soldadinhos

Eu tinha algo mágico nas mãos. Tão delicados e indefesos, você os pegava, e eles saíam caminhando. Beleza inócua. Era lindo, é nostálgico. Passaram-se alguns anos, nunca mais vi nenhum. Aqueles que surgiam aos montes em quintais de avós, em pés de carambola, aqueles que recebiam apelidos carinhosos, aqueles que sempre voltavam para brincar comigo, agora, fazem parte de uma memória em preto e branco. Foram engolidos pela realidade. Sem imaginação, sem a sinceridade que só possuímos quando somos crianças, os amigos imaginários vão embora (ou somos nós quem os abandonamos?). É como se eles levassem a nossa inocência junto com eles... Tornamo-nos escravos dos costumes, do pudor, do medo, e até de nós mesmos. Somos espectros do que fomos um dia. Éramos completos. Hoje, troco maturidade por lembranças esquecidas. E se o mundo gritasse pelo meu nome outra vez, não o obedeceria, ficaria com os soldadinhos, não deixaria que a pureza dos meus dias fosse embora junto com eles...

(Raquel Guedelha - em  09.09.2007)


domingo, 20 de julho de 2014

Amor em versos

Encontramos amor nas palavras, nos tragos que compartilhamos e nos cuidados que seduz os olhos.
Encontramos amor nas gargalhadas de doer a barriga e nos desentendimentos também.
E o amor escorre pelos olhos, pela boca, pelo nariz, pelas pernas e até pelas pontas dos dedos.
O meu amor é assim, ele pinga em você o tempo todo.
O meu amor amanhece em você, como um raio de sol que surge por uma janela iluminando apenas um ponto fixo: você. Você.
E dentre as incertezas e aflições, eu escolho sempre as alegrias.
Eu escolho os domingos ouvindo rock clássico enquanto se cria coragem pra tomar banho e sair pra ver o dia.
Eu escolho os melhores anos que ainda estão por vir.
E o mundo sempre será um deleite enquanto estivermos juntos.
Enquanto Caio Fernando diz “Que seja doce”, eu digo: que seja doce & ácido – isso é sobre as aventuras que um dia contaremos aos netos.




segunda-feira, 14 de julho de 2014

Os culpados

Eu já sonhei que escalava o monte Everest e que brincava com deus lá do alto, mas não de. Ouvia música nas Montanhas Mágicas de Mann junto com Castorp. Catherine desistia de casar-se com Linton, e por conta disso sempre houvera paz no Morro dos Ventos Uivantes. 

Eu tenho um irmão que criou um país e um idioma pra gente brincar quando éramos crianças, a Dinlanda. Eu nunca fui fluente no “Dinlandês”, mas adorava morar naquela pátria, me divertia com nosso país imaginário e isso me enche de boas lembranças e me proporciona até hoje risadas de encantamento. Ainda na infância meu irmão lia para mim todas as tardes Wuthering Heights, o meu primeiro livro literário e o inicio de uma paixão. 

Na minha casa havia muitas árvores, todo tipo de pé de fruta, feliz por ter comido fruta em cima do pé, por transformar areia em “pó mágico” e as plantas em amigos inanimados. Feliz por ter aprendido desde cedo com meus pais a demonstrar gratidão, a ser gentil com as visitas e não ser refém das más emoções. Feliz pelo bolo de cenoura da minha avó materna, dona dos apelidos mais criativos que um neto pôde colocar. Feliz pelas onomatopeias criadas pela minha avó paterna a cada historia contada. Feliz por ter tido um avô materno estilo Forest Gump. E por ter um avô paterno dono do melhor português, dos melhores livros e por ter recebido dele os melhores doces que um avô pode dar a uma neta. 

Acordei saudosista e focada em entender porque tenho os sonhos mais loucos, como esses do inicio. E acredito que a culpa dessa imaginação volátil é daqueles que fizeram da minha infância a minha melhor saudade. 




“Minha pátria é minha infância:
por isso vivo no exílio”
(Lar doce lar, Cacaso)

sexta-feira, 21 de março de 2014

Síndrome de Sinatra

É sobre começar cantando Singing In The Rain e sentir vontade de sair pelas ruas rodopiando em postes faça chuva ou sol. Fechar os olhos por um instante e querer viver para sempre só pra nunca ter que desgrudar as peles. Desejar que o sol jamais morresse e que o mosaico de sorrisos em cerâmica vermelha que carrego no peito perdurasse além do que os cientistas prevêem sobre o astro principal. É sobre ter uma visão realista e romântica sobre todas as coisas e escolher sempre a mais doce. É sobre um pé na bunda iminente. Porres homéricos sozinho e semanas sem pentear o cabelo. É sobre terminar cantando In The Wee Small Hours.

(escrito em 01/08/2011)

quinta-feira, 20 de março de 2014

Lupa & pinça

Tempos atrás eu me importava menos com os porquês. As injustiças apenas me incomodavam, hoje em dia elas me sufocam, e é nesse sufoco que eu GRITO. Perco o folego, mordo os lábios, verto lágrimas e GRITO.  O mundo que me abrigava era bastante confortável, de cores claras e balões festivos. Sair dali era tatear o desconhecido, sair da zona de conforto, quebrar correntes, correr & pular no escuro. A sensação era de estar vivendo em câmera lenta, peito calado, pausas silenciosas. Sentir coçar e não poder esfregar com as unhas.

Lembro da minha primeira inercia diante o medo, quando ouvia passos estranhos à minha janela, no meio da madrugada, a vontade era de correr pros braços da minha mãe e falar do ladrão a rondar a casa, mas não, eu ficava estática, olhos estufados, respiração ofegante e coração descontrolado. Quem abafou o meu grito por tanto tempo?

Então eu procurei as respostas, meticulosamente, dentro de mim, preferi procurar com a ajuda de uma lupa e pinça, em todas as minhas partes vitais, mas se você for tentar também, eu sugiro que a busca seja mais detalhada no coração, a melhor metáfora no quesito sentimentos, sempre. Procure quem ou o que te faz se sentir estragada. Eu achei uma burrice emocional gigante. E joguei fora. Joguei fora no lixo. Coloquei uma peça bem grande de sossego com essência de paz no lugar.

Matando um dragão por dia: sou vencedora dos meus próprios medos & mágoas.  


quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Beijosmeliga?

Eu esperava ansiosamente por notícias, de quem ou sobre o que, até hoje eu não sei. Esperei por pedidos de desculpas, e por ligações sentimentalistas...
Trim-trim: A telemar avisa... tu.tu.tu.

Eu esperava por uma visita amistosa e sem grandes pretensões, alguém que batesse na minha porta e dissesse: “Oi, passei aqui só pra te dar um abraço”.
Din-don: - Quem é? – Correio!

Nem tudo estava perdido, ainda existia a possibilidade de uma carta: Banco do Brasil, Conta telefônica...

Tudo bem, certamente o consolo chegará por e-mail... Caixa de entrada. Uma mensagem não lida: Clique aqui e aumente seu pênis. 

Largada e assistindo Ana Maria Braga, vi-me entregue a decadência doméstica. Porém, eis que “Loosing my religion” do REM começa a tocar. É o meu celular! Começo uma “caça ao celular”. Achei! Alguém me mandara uma mensagem. Caixa de entrada. Uma mensagem não lida: Insira novos créditos. 

Totalmente jogada às traças, mergulhada no esquecimento alheio, resolvi sair de casa. Fui ao centro, debaixo de um sol escaldante. Talvez eu encontre alguém conhecido, que me diga o quanto sente minha falta. 

Então, eis que de repente, vejo alguém com os braços estendidos caminhando em minha direção. Um pequeno papel é lançado em minhas mãos: Irmã Janaína - Trago o amor da sua vida em 7 dias.

(Escrito em 04/09/2007. Publicado na revista literária Trimera - Casa de Letras)


Paixãozinha de merda

Como quem não quer nada, eu ofereci meu abraço. Meus olhos enfeitados com olheiras de quem não dorme há dias, oferecia promessas vazias, em silêncio. Eu sinto muito por não ter olhado mais pra você. E agora, declaro-me escrava da minha paixão fria de razão.
Acordei tarde de uma noite etílica, atrasada para todas as coisas. Eu chorei. Pensei que talvez fosse diferente se eu acordasse todos os dias com você ao meu lado. Eu me descubro romântica, e passo a aceitar isso.
Eu te escrevi uma carta cheia de paixão com fratura-exposta; talvez eu a queime ainda hoje. Sabe, eu queria te carregar no bolso secreto da minha bolsa, é lá onde guardo as coisas mais importantes, aquelas que eu não posso perder de vista em meio à bagunça ao redor. Eu queria descobrir tuas manias, e te entrevistar todos os dias. Eu queria te contar o resumo dos meus dias triviais, e preparar no liquidificador o teu suco preferido. Mas você não se importa com nada. Você não se importa com o meu abraço cheio de sentido, com o meu sorriso colado em ti, que se abre junto com os olhos rentes aos teus, enfim, você não se importa com o meu sentir, que é teu, sem ser do mundo.
Eu até tento não pensar mais em você, porém, o inevitável está perto. Mas hoje aprendi que só posso desejar aquilo que eu posso ter. Então, não é por nada não, mas faça o favor de ir cagar em outro coração.
(Escrito em 15/12/2007)


Penelope in the sky

Noite passada sonhei com Penelope Cruz, sem ver nem pra quê, sonhei. Acordei com Penelope Cruz figurando meus primeiros pensamentos do dia. Não há belos motivos para isso, mas sonhei, acordei e pensei. Pensei em Penelope Cruz o dia todo, e me senti profundamente estúpida, porque tenho plena convicção de que Penelope Cruz jamais pensará em mim. E mais uma vez fui tomada por pensamentos auto corrosivos, uma voz com um jeitão todo regionalista dizia no íntimo do meu cérebro "Deixa de ser abestada". E assim me senti o dia todo, uma abestada por deixar que Penelope Cruz estivesse em minha mente por longas horas. Penelope esteve nos meus sonhos e nos meus pensamentos, até coloquei seu nome na busca do google imagens. Naquele dia Penelope me fisgou, roubou algumas horas de minhas ideias e causou uma leve indignação, que nem durou muito, pois à noite fui me distrair assistindo Vanilla Sky na casa de uma amiga.

(Escrito em 10/07/2009)

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Espera só um minuto. Quer assistir tv? Leia essa revista por enquanto. Na volta te trago um chá. Gosta de chá verde? É o meu preferido. Coloco mel e limão, te sirvo gelado. Espera, já volto. Ainda temos muito o que conversar. Eu viajei muitas horas pra enfrentar do teu lado o frio de várias madrugadas adentro. Mas é sério, eu não demoro. Vou só aqui resolver um negócio. Quando eu chegar, vou te revelar coisas íntimas não confessáveis até a mim mesma. Espera? Eu fiz compras, acho que dura mais de um mês. A minha fome eu só mato quando chegar, depois de reconhecer a estrada que deveríamos seguir. Não corta o fio, eu volto num instante, tá? Depois podemos gritar, sangrar, comprar café, chocolate, cigarros, drogas e balões. Espera! Eu te preparo um jantar. Desfio nossas conversas e coloco um pouco de corante nessa história. Agüenta firme aí, é só o tempo de diluir essa paixão em um pouco de água, vai que ela se transforma em amor depois de 3 minutos e a gente nem sabe...




Web Cam

Eu sei como fazer seu nariz sangrar. Passei horas olhando pra ele, calculando o ponto exato de socar e quebrar e fazer sangue. O seu coração eu não conheço tão bem, mas já o vi, e ele é tão bonito... Ainda mais quando fica exposto. Mas você odeia exposições. Um murro na sua cara e te acerto em cheio. Um soco no seu estômago e te deixo sem fôlego. E se você gritar de dor e chorar, não me importo, a culpa é sua por não deixar seu coração se exibir nu na web cam pra mim.
(Escrito em 27/09/2009)

Cérebro & Coração

Se for pra dizer algo importante, não digo. Fico bem aqui, quieta. Com o silencio que incomoda. Sem falar de paz interior, como os filhos da puta que te cercam. Ternura pelos gatos vira-latas das esquinas, e só. Mas se for pra falar de amor, eu topo. Falo de flores e polens. De cheiro verde e das cartas que nunca mandei. Da terra que nunca cultivei e das ervas que nunca colhi. Fé & Decepção. Esperança & Ilusão. Sentimento & Tesão. E tudo acontece ao redor da gente, mas nossos umbigos são tão mais interessantes do que as percepções a cada esquina fedorenta. Lembra da última vez que tomou uma dose de gentileza? Não é uma questão de amor ao próximo e nem da base da autopromoção: hastear a bandeira da filantropia. Eu to falando do presente, de existência, de consciência, irmão. Falo do suor que exala vida, das veias que levam sangue ao teu coração, dos sonhos que nunca envelhecem, do sexo sem amor – mas cheio de desejo, de orgasmos, da excitação ao raiar do dia, do sushi ou o Petit Gateau que você paga pau, do ovo frito na marmita do pedreiro ou do arroz com feijão de cada dia.
(Escrito em 05/10/2009)

Sobre os canudos coloridos da lanchonete/ sobre a vida alheia

Gosto quando você faz biquinho pra sugar o suco de uva que tanto gostas. Apesar de eu achar patético o fato de você desperdiçar um certo tempo procurando um canudo na cor vermelha. Eu te acho tão fútil, garota. És como uma Lolita, coberta de exageros sem nunca se tornar única. E eu já disse tantas vezes pra você enxugar a sola da sandália no tapete que fica bem na entrada, porque eu odeio a sujeira que você deixa na minha sala. Não sou teu pai, não vou te comprar a Melissa da moda, mas fica comigo que a gente se pega até umas horas. Eu me chamo José. Não tenho Y, K ou W no nome, que nem você, com esse nome exagerado e de extremo mau gosto. Mas eu já disse que adoro o clima da tua cidade? Porque a manga curta da tua blusa me permite teus braços e a minissaia me permite tuas pernas. Nada de golas altas, se ligue. E vê se aprende a falar devagar, é ridículo o desespero da tua fala. Mastiga de boca fechada e conversa olhando nos meus olhos, tenta passar segurança sobre quem você é e o que você quer, beleza? To indo nessa, te ligo mais tarde.

É tudo tão automático e ilustrativo.

(Escrito em 11/10/2009)