domingo, 24 de agosto de 2014

Soldadinhos

Eu tinha algo mágico nas mãos. Tão delicados e indefesos, você os pegava, e eles saíam caminhando. Beleza inócua. Era lindo, é nostálgico. Passaram-se alguns anos, nunca mais vi nenhum. Aqueles que surgiam aos montes em quintais de avós, em pés de carambola, aqueles que recebiam apelidos carinhosos, aqueles que sempre voltavam para brincar comigo, agora, fazem parte de uma memória em preto e branco. Foram engolidos pela realidade. Sem imaginação, sem a sinceridade que só possuímos quando somos crianças, os amigos imaginários vão embora (ou somos nós quem os abandonamos?). É como se eles levassem a nossa inocência junto com eles... Tornamo-nos escravos dos costumes, do pudor, do medo, e até de nós mesmos. Somos espectros do que fomos um dia. Éramos completos. Hoje, troco maturidade por lembranças esquecidas. E se o mundo gritasse pelo meu nome outra vez, não o obedeceria, ficaria com os soldadinhos, não deixaria que a pureza dos meus dias fosse embora junto com eles...

(Raquel Guedelha - em  09.09.2007)