segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Vai passar e não se morre disso

Depois da negação, a realidade. Estes mesmos olhos já olharam fixamente para outros tetos, em outras situações e diferentes intensidades. Já descobrimos que não se morre disso, mas é vital não enlouquecer com as lembranças doces e tampouco com as amarguras de um passado mal enterrado por palavras não ditas e ações paralisadas. Descobrimos também que não se fica louco disso. Loucura só se for de idéias floridas dentro da cabeça. A moça do cafezinho disse que Deus tem um propósito pra gente e que devemos ser aliados do tempo. Mas como se aprende a viver o tempo? Como se adaptar com as suas pausas e avanços? Não sabemos esperar, queremos tudo e queremos agora. Existe uma urgência dentro da gente implorando por doses de imediatismo. Mas em tempos de Vai Passar a gente se agarra a todas as energias: deuses, astros, orixás.  E se o peito dói, a gente pede força pra Obaluae, se a estrada ta escura a gente pede luz nos nossos caminhos pra Ogum, se falta crença a gente pede fé pra Jesus Cristo e se houver qualquer sinal de ódio a gente pede amor pra Iemanjá. Também acendemos diariamente incensos de sândalo pra perfumar a casa e a alma, fazemos orações pedindo por nós e pelos nossos, fazemos faxina na casa, mudamos moveis de lugar, compramos roupas novas e separamos outras pra doação, passamos a ter disciplina com a academia, porque liberar endorfina é bom e pode te deixar com o bumbum na nuca, assistir Machete porque é tradição e o filme mais indicado pra tempos difíceis. Vale tudo, inclusive oito temporadas do Dr. House no Netflix pela frente.

Vai passar, todo mundo sabe. Sempre passa e não se morre disso.




quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A concha

Azul sempre foi sua cor preferida. Das coisas que mais amava na vida lá estava o colorido que pertencia aos seus olhos. Gostava de mar, da revolta das ondas e de brincar com as espumas – que parecia bastante com as do copo de cerveja de seu pai; acreditava piamente que seria aspirado para o fundo do mar e que não seria devolvido nunca mais para o fixo permanente. Viveria nas profundezas do oceano como num filme de aventuras fantasiosas, com direito a sereias e piratas.

Certa vez, à procura do fundo do mar, cavou com as próprias mãozinhas delicadas um buraco na beira da praia ate cansar e cair num pranto desolado no colo de sua mãe, que o enchia de carinho a cada frustração.

Ainda criança mudou-se de cidade, devido à transferência de emprego de seu pai. O fato de não ter mais o litoral ao seu alcance como sempre tivera, causou-lhe uma tristeza intensa. As crianças vizinhas adoravam os típicos passeios locais infantis, como ir ao shopping ou a clubes aquáticos, mas ele, não. Achava tudo muito chato! Por conta disso, sua mãe, comovida e sempre preocupada, confortou-lhe com um presente que seria o seu amuleto para o resto da vida, uma concha, daquelas que contem as impressões de ouvir o barulho das ondas. Era um mero esqueleto de molusco, mas muito significativo ao pequenino. Ele passava horas com a concha encostada ao pé do ouvido.

Com as possibilidades de criação que o papel crepom sempre oferecera, uma caixa d'água e a areia que dispunha no quintal de sua casa, criou sua própria praia. Uma praia que lhe bastava à alma. A mãe do garoto sempre observava suas brincadeiras da cozinha com muita ternura no olhar enquanto preparava as refeições da família. 

O tempo passou. Ele vingou como ser-humano-vida-clichê. Emprego, casa, casamento, filhos e responsabilidades. Sua imaginação infantil foi sendo engolida pelas mazelas da vida adulta. Tornou-se um bom homem, porem, uma sombra da criança sensível que um dia fora. Mas nas férias é sagrado: praia com a esposa, filhos e netos. Dentro da bagagem: a concha. E quando o
peito aperta de saudade de sua mãe e ninguém está por perto observando, ele afunda os pés na areia, eleva a concha ate o ouvido esquerdo e sorri tranqüilo olhando para o céu.


para ela: R. M. G. C



sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Silencio sui generis

Dizem que ainda existe a espera do motor do carro que aguarda lá fora. Dizem que houve choro e arrependimento diante dos sentimentos inacabados, aqueles desencontrados que insistem em coçar no peito da gente. Dizem também que existe o desejo de abrir a porta para que você entrasse, depois de um “e aí?” meio sem jeito, assim de saudade. Pensaram que talvez eu pudesse te servir uma cerveja artesanal, daquelas que sobrou do natal, enquanto o humor sarcástico e despretensioso tomava conta do ambiente. No entanto, baby, não precisa aparecer, não. Sua presença já está esmagando os meus pensamentos. Você surge numa balada de Blues Rock, surge também naquele seriado do Ryan Murphy e Brad Falchuk, no clássico do Max Romeo, no 9gag, e quem diria, você surge até mesmo num romance empoeirado do Hesse que tirei da estante. Eu me basto, por hora, entendendo que é uma contradição dispensável querer a sua presença.