quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A concha

Azul sempre foi sua cor preferida. Das coisas que mais amava na vida lá estava o colorido que pertencia aos seus olhos. Gostava de mar, da revolta das ondas e de brincar com as espumas – que parecia bastante com as do copo de cerveja de seu pai; acreditava piamente que seria aspirado para o fundo do mar e que não seria devolvido nunca mais para o fixo permanente. Viveria nas profundezas do oceano como num filme de aventuras fantasiosas, com direito a sereias e piratas.

Certa vez, à procura do fundo do mar, cavou com as próprias mãozinhas delicadas um buraco na beira da praia ate cansar e cair num pranto desolado no colo de sua mãe, que o enchia de carinho a cada frustração.

Ainda criança mudou-se de cidade, devido à transferência de emprego de seu pai. O fato de não ter mais o litoral ao seu alcance como sempre tivera, causou-lhe uma tristeza intensa. As crianças vizinhas adoravam os típicos passeios locais infantis, como ir ao shopping ou a clubes aquáticos, mas ele, não. Achava tudo muito chato! Por conta disso, sua mãe, comovida e sempre preocupada, confortou-lhe com um presente que seria o seu amuleto para o resto da vida, uma concha, daquelas que contem as impressões de ouvir o barulho das ondas. Era um mero esqueleto de molusco, mas muito significativo ao pequenino. Ele passava horas com a concha encostada ao pé do ouvido.

Com as possibilidades de criação que o papel crepom sempre oferecera, uma caixa d'água e a areia que dispunha no quintal de sua casa, criou sua própria praia. Uma praia que lhe bastava à alma. A mãe do garoto sempre observava suas brincadeiras da cozinha com muita ternura no olhar enquanto preparava as refeições da família. 

O tempo passou. Ele vingou como ser-humano-vida-clichê. Emprego, casa, casamento, filhos e responsabilidades. Sua imaginação infantil foi sendo engolida pelas mazelas da vida adulta. Tornou-se um bom homem, porem, uma sombra da criança sensível que um dia fora. Mas nas férias é sagrado: praia com a esposa, filhos e netos. Dentro da bagagem: a concha. E quando o
peito aperta de saudade de sua mãe e ninguém está por perto observando, ele afunda os pés na areia, eleva a concha ate o ouvido esquerdo e sorri tranqüilo olhando para o céu.


para ela: R. M. G. C



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