sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Café com leite


Ela ficava sempre fora das brincadeiras mais complexas, e quando participava, era faz de conta. Ganhou o apelido de café com leite porque era muito pequena ainda para ser incluída nas brincadeiras de luta, para se aventurar pulando muros das casas ou para colher as frutas dos pés nos quintais alheios. Só tinha seis anos, não dava para brincar com os meninos mais velhos. Quando fizesse 8 anos seria incluída em todas as aventuras - seu irmão prometera. Sua função era ficar em casa, aguardando o horário de início do desenho Cavalheiros do Zodíaco. E quando finalmente iniciava, saía gritando na rua:

- COMEÇOOOOU!

E todos se reuniam na sala da sua casa para assistir ao desenho. Sentia-se útil com essa missão semanal, mas queria mesmo era correr na rua com os meninos homens. Não tinha amiguinhas na vizinhança, de criança, por ali, somente os quatro amigos do seu irmão. Não gostava de pentear os cabelos, gostava de andar com os pés descalços e tinha os joelhos marcados por quedas. Uma criança feliz dentro da sua liberdade assistida.  Amava brincar ao ar livre com o seu cachorro Bidu, dava nome às plantas e aos insetos. Pura vida! Mas certo dia, ousaram uma intromissão à sua liberdade. Enquanto comia o seu pacote de petisco Raul Lopes, o seu preferido, e lambia os dedos sujos de farelo, uma mulher da vizinhança, esboçando repulsa, gritou: “Que menina nojenta e sem modos, sai daqui!”.  Café com leite ficou assustada, não entendeu muito bem o motivo de tanta raiva. Estaria fedendo? Suja? Ficou fugidia. Esquivou-se. Sentiu vergonha de si mesma. Evitou a rua naquela semana. Só tinha seis anos, mas sentiu a tristeza sugar a sua energia de criança alegre e espontânea. Passou a evitar adultos que não fossem seus pais, chegou à conclusão: ficar perto de outras crianças é mais seguro. De fato, era mais seguro ser feliz sendo quem ela realmente era: uma criança livre & ainda café com leite - inclusive, café com leite para lidar com o ódio gratuito de adultos que já morreram por dentro.

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Como ousas?

 

você sempre diz que eu tenho um coração bonito

é clichê?

é fofo com pitadas de cafonice

o amor é isso.

estou nesse mundo há pouco mais de três décadas,

posso definir o que é o amor usando ponto final

dentre todas as peculiaridades que falam sobre quem eu sou

você cismou de achar que eu tenho um coração bonito

dentre todas as coisas lindas que você já disse

você também me disse algo horrível

sem dó

ou piedade

me chamou de DEDO PODRE

como ousas?

acusou-me de escolher as piores pessoas

mas e você, seu puto?

eu te escolhi

"o destino não é uma escolha" 

como ousas?




segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Teresina e a falta de.

Não, você ainda não foi soterrada pelo concreto, mas reproduz uma frieza típica das grandes metrópoles – num paradoxo climático e sentimental. É que olhos fechados são incapazes de desenvolver afetos e ideias bonitas. Se não consegues enxergar a tua própria dor, a invisibilidade do outro é só uma consequência. Cuida da tua prole, tampa esses buracos que engolem teus filhos a cada esquina. Dá de beber a eles - estão todos com sede pela falta daquele líquido vital que não é o álcool. Teus filhos estão com raquitismo e não é por falta de vitamina D, não. Guarda esse cimento e alimenta teus filhos direito - eles estão com fome é de. Correndo uma Marechal inteira, desviando de buracos que argamassa nenhuma pode cobrir, penso em mim e nos meus irmãos. Penso que esse calor é um reflexo de tudo aquilo que queima dentro da gente. E não é apenas o sol que arde na nossa pele, é, principalmente, a falta de. E tem dias que tudo arde de forma mais intensa e não tem samba nem reza que amenize essa ardência. Mas, para dias assim, Teresina, num lapso de gentileza, oferta aos seus filhos – os de olhos atentos, um céu com cores que nunca se repetem. E é assim, com uma alvorada ou um pôr do sol, que vamos seguindo e esquecendo, por alguns instantes, a falta de.





terça-feira, 7 de maio de 2019

De dentro

Venho trocando o café preto pelo chá de camomila/ bebendo menos, sentindo mais/ tentando não esquecer as datas das minhas pessoas/ cultivando ideias lúcidas pra mim e para elas/ lendo mais/  repensando saudades/ falando de olho pra olho/ evitando fragilidades/ juntando os pedaços/ recolhendo os cascos vazios, varrendo as cinzas/ ajeitando a minha morada.
buscando mudanças/ dia a dia/ mudando de uma massa disforme para algo meu/ só meu/ que eu quero voltar a ser minha/ quero ser a minha mulher/ Raquel, a minha menina.
tenho me conectado na minha introspecção/ redecorando meu quarto/dando atenção aos meus livros, minhas músicas, meus filmes/ venho tentando resgatar o que é meu/ a minha parte/ o meu  universo singular/ sentindo o meu corpo/ enxergando o brilho dos meus olhos/ dona de mim/ da minha solidão consentida.
ando me inclinando na janela do meu quarto/ como quem procura um pedaço de céu/ como quem quer voar pra longe/ pra qualquer lugar, um buraco, uma caverna/ sem relevar a cor das paredes/ um lugar que me mostre um pouco mais de mim/ já disse  que quero ser minha de novo/ Raquel, a minha mulher/ com o coração aberto, sempre aos pulos/ pelas minhas paixões mais sinceras.

Nós

Antes de arregaçar as nossas mangas em busca de., vamos esvaziar nossos copos nessa janela ampla, de vento forte e um céu tímido de estrelas. Nossos copos estão cheios com um líquido que desce acalmando a garganta, entalada com um nó que não desata. Minhas caras, sei que tá todo mundo cansado e ninguém sabe mais "até onde vai". Dormimos mal & sonhamos pela metade. Embora insones, caminharemos por uma via que nos leve a algo tocável. Novos instantes surgirão depois de uma participação coadjuvante no nada. Tenhamos fé nesses novos instantes, com olhos mais lúcidos enxergaremos cores mais nítidas. São dias tempestuosos e seguimos em pé, porém, molhadas com água barrenta de uma tristeza que não é só nossa. O movimento do mundo parece estar todo errado, mas eu sei que a nossa intuição sempre esteve certa. Resistiremos 🌺

Para elas.

Com amor,
Raquel.


Google pesquisar

Quando criança eu morava no litoral e costumava passar todos os finais de semana na casa da minha tia para poder brincar com os meus primos. O fato é que nessas visitas eu SEMPRE me pegava observando um antigo quadro, idêntico a esse da foto, que ficava na sala dela.

Todo mundo sabe o quanto sou apaixonada pela infância que tive. Com o passar dos anos me agarro ainda mais a todas as lembranças possíveis da melhor época da minha vida. Como disse Cacaso “minha infância é a minha pátria, por isso vivo no exílio”.

 Quem me conhece bem também sabe que sou apaixonada por pinturas pré-Rafaelitas e sigo zilhões de páginas sobre. Hoje, ocasionalmente, abri o Facebook e dei de cara com uma pintura do René Gérin que automaticamente me transportou para a sala da minha tia.

Sim, voltei meus pensamentos para aquele quadro que me fazia VIAJAR: lembro que me imaginava naquela paisagem e sentia até o cheiro do lugar (Oi, sinestesia?). Lembro tbm de uma vez perguntar para minha avó:

- Vó, no quadro é a Sra. e vovô quando eram casados? (Eles se separaram antes mesmo d’eu nascer).

Daí que hoje decidi que descobriria quem assinava aquela pintura que havia sido tão significativa na minha infância.

As palavras chaves que usei na busca do Google foram: “quadros antigos da década de oitenta/quadros antigos da década de noventa/pinturas populares no Brasil”. E nada! Até que cheguei no pintor Pedro Weingärtner. Não, não era ele. Mas estava no rumo.

 Então pesquisei por artistas com temática similar e achei a pintura que eu queria (talvez a primeira expressão artística que me fisgou desde que me entendo por gente.) Finalmente cheguei ao nome do artista que eu buscava: Toshizo Nakane!

Li um pouco sobre a sua carreira e tive acesso a depoimentos de outras pessoas que, assim como eu, de forma modesta, tiveram contato com as réplicas de seus quadros nas casas de suas avós ou enfim.

Fiquei imaginando quantas crianças esse artista conseguiu chamar pra dentro dos seus quadros e quantas "viajaram" comigo  naquela época. Toshizo Nakane fez parte da minha infância de uma forma tão bonita e eu nunca nem havia parado para pensar sobre isso, sequer sabia seu nome, até hoje de manhã. 🎐💭


domingo, 20 de janeiro de 2019

Foder


É entrega desnuda
Labirintos secretos
Ruas de mão dupla,
atalhos.

É linguagem própria do ato
Cheiro de pele
Textura no toque,
combustão.

É não pensar em nada
Deixar-se fluir
Abusar dos segundos,
encaixe.

É saliva
Suor misturado
Troca de fluídos
e tesão líquido escorrendo entre as pernas.






quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Precious

Eu não faço ideia sobre quantas vezes ja falaram que você não era boa o suficiente para alguém/algo. Ou que você não podia realizar algo por ser mulher. Ou que você não chegaria no lugar para onde os teus sonhos te guiavam. Muitas vezes não só te disseram, mas criaram barreiras reais para que você de fato não chegasse lá, né? Não sei quantas vezes esperaram menos ousadia de você. Ou ao invés de elogiar algo massa que você tenha feito, reduziram o teu feito a um elogio sobre a tua aparência. Quantas vezes você teve que escolher uma roupa mais larga e folgada para ir a um determinado ambiente por medo de objetificarem o teu corpo? Também não sei quantas vezes você teve que falar sobre o seu currículo pra que a sua opinião, de alguma forma, fosse levada em consideração. Ou se você já foi considerada barraqueira e desiquilibrada por impor o seu ponto de vista quando ele foi subestimado ou ridicularizado. Quantas pessoas ja se afastaram por você não ser uma mulher delicada e submissa? Quantas já te chamaram de louca ou psycho por você seguir a sua intuição e defender algo que futuramente seria comprovado? Quantos foras você já levou por ser "independente" demais? Eu acho que todas nós já ouvimos, pelo menos uma vez, coisas assim. Coisas HORRÍVEIS assim. Histórias desse tipo sempre são compartilhadas nas minhas rodas de amigas. O que eu realmente quis dizer, caso ninguém tenha dito: você é muito PRECIOSA! Você tem muito VALOR! Talvez você já tenha certeza disso, mas nunca é demais relembrar. Relembre isso sempre que puder às mulheres que te cercam. Fortaleça os vínculos femininos. Não tenha medo ou pudor de elogiar outra mulher. Não deprecie outras mulheres para ganhar aprovação masculina. Não ataque a sexualidade de outra mulher por ciúmes. Seria irresponsável da minha parte dizer que você vai ser tudo o que quiser ser, mas entenda: você é incrível para ser tudo o que quiser ser; porem, existe um sistema cruel que se empenha em abater mulheres - de forma figurada ou literal. Não te falta inteligência ou capacidade, falta apenas romper com essa estrutura de ódio. Eu acredito nesse rompimento se estivermos unidas num comprometimento coletivo entre nós: cuidados, apoio-mútuo, organizadas & fortes. Sorte do dia: Seja sua maior companhia. Seja sua melhor amiga. Não deixa que ninguém faça você se sentir menos do que você é. E não aceite menos do que você merece. E se não for pedir muito, aprenda a reconhecer e a valorizar a beleza e importância de outras mulheres na sua vida.


sexta-feira, 28 de julho de 2017

O peso de estar só


 “hoje em dia, não existe nada que eu deixe de fazer por estar sozinha”.  

Eu disse hoje essa frase para os meus dois grandes amigos. Refleti bastante de uns meses pra cá, e é isso mesmo. Não existe nada que eu deixe de fazer por estar sozinha. Ando sentindo um prazer sem-vergonha em ser eu mesma. Corro sozinha, sento e tomo minha cerveja sozinha, vou ao cinema sozinha, faço almoço para comer sozinha, fico no meu apartamento ouvindo musica sozinha e ta tudo certo, não tem peso, não.  O peso do “estar sozinha” veio dessa ideia que nos ensinaram desde sempre: precisamos do tal príncipe encantado, precisamos de alguém que nos complete – precisamos do outro. Ensinaram também que esse outro deve ser uma pessoa especial, mas há uma pressão social tão grande em cima de nós, mulheres, para termos alguém do nosso lado, para nos proteger, que qualquer um passa a ser especial diante da gente. E a gente sucumbe a essa pressão, e a gente aceita menos, mesmo merecendo muito mais. Muito mais. A gente se entrega por tão pouco, por puro medo da nossa própria companhia. E vamos moldando a nossa identidade ao redor do outro, contando nossa historia através da sombra do outro. Então passamos a demonizar a solidão, e quando ela aparece, surge também o medo. O medo de saber quem somos de verdade. Mas não tenha medo, mulher! Porque se você estiver disposta a mergulhar no infinito que é você, essa descoberta pode ser uma viagem incrível. Não se assuste, você não está numa floresta escura, você está diante da sua melhor companhia. E aprende dessa vez que o único peso de estar sozinha é o peso das tuas asas – quanto maiores, mais pesadas.

E que nada no mundo nos prenda ao chão.

Em 28/07/17 às 13:17






sábado, 20 de agosto de 2016

Aponte onde dói

Queria eu que a dor de um adeus não doesse assim, no peito. Gostaria que doesse no dedo mindinho. Sabe aquela dorzinha safada quando o mindinho bate no canto de um móvel? Seria bem melhor. Falo isso porque essa dor no peito dificulta tudo: respirar é difícil, o ar não passa, engolir a comida é complicado e até a cerveja gelada desce engasgando, em direção a um vazio chamado estomago irritado. É como se tivesse uma mão esmagando o teu coração até ele encolher. E fica pior quando você passa o dia entalada com um choro preso, pois a nossa rotina louca não nos permite nada além de se manter forte, porque sabemos que o mundo nunca parou e nem vai parar para enxugar as lagrimas de um coração partido. Não somos especiais. Mas se doesse no dedo mindinho eu daria um jeito de ficar bem. Eu colocaria gelo, faria uma massagem com gel de cânfora e rapidamente pararia de doer, bem instantaneamente mesmo. Mas essa dor no peito é cretina, não vai embora, não se encaixa em nada bonito, talvez sirva pra uma crônica boba e só. Cara, você não disse nada. O teu silencio upou a minha dor e me fez pensar nas varias possibilidades de transferir essa dor no meu peito para outros lugares do meu corpo. Foi tudo tão rápido que eu nem sei dizer como diabos fui parar aqui, imaginando como seria se a dor de um adeus doesse, sei la, no sovaco. 


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

fragmentos musicais

E uma cara embrigada no espelho do banheiro. É como se a minha vida fosse feita de pequenos fragmentos – e ok, de fato é, e pra cada um deles houvesse uma trilha sonora. David Guetta ou Diplo para fazer o make up antes de sair. Rammstein, Pantera, Slayer pra malhar. Trap ou funk pra dançar. Radiohead ou Elliott Smith pra chorar em posição fetal. Chitãozinho e Xororó pra cantar de forma saudosista com a melhor amiga. Enfim, eu realmente amo todas as sensações maravilhosas que a musica me proporciona.  Facilmente consigo lembrar de uma época e automaticamente das musicas que eu mais ouvia naquela fase, com aquelas pessoas e pronto: lá vem o turbilhão de sentimentos. Incrível como algumas musicas sempre doerão no nosso peito. Por exemplo, como superar Angie dos Stones quando um antigo namorado te dedicou antes de morrer? Evitando-a por um longo tempo, claro, mas sem nunca fechar os olhos pra beleza que pode existir naquilo que dói na gente. As musicas e as dores da gente podem até se renovar, mas algumas dores antigas continuam em algum lugar escondido dentro de nós, só esperando o start, e cabe a gente fazer o manejo certo das emoções. Foi bonito? Verdadeiro? Sincero? Fica.


Pelo nosso momento (e pela referencia do final),

para I.P.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Clube dos deslocados


Todos os dias a gente se vê pedindo serenidade à qualquer força que seja maior que a nossa existência minúscula. Todos os dias a gente vê egos cancerígenos que vão minando qualquer tentativa de leveza e amenidades. Todos os dias a gente vê gente pagando de evoluído com citações ou felicitação rasas de verdade. A gente vê gente mascarada visando uma fatia de bolo num futuro que elas nem sabem se um dia vai chegar.  A gente vê gente achando que está no topo do mundo, sem nunca nem ter saído do primeiro piso. A gente vê gente descartando gente como quem descarta um copo de plástico - porque as relações egoicas sempre serão superficiais. A gente vê o nosso bom humor dando o último suspiro. A gente vê e sente muito - porque o maior problema dos deslocados nisso tudo, sempre foi esse:  ver e sentir demais.



terça-feira, 17 de maio de 2016

Qual a parte mais bonita do seu corpo?

Conversando com um amigo esses dias sobre bundas e peitos, tive uma das opiniões masculinas mais esclarecedoras em relação a visão da maioria dos homens sobre o corpo feminino. Mas não é sobre isso que quero falar. Então, qual a parte mais bonita do seu corpo? Não é a parte que as pessoas dizem ser a mais bonita, é a parte que você mais gosta, que mais te agrada de verdade, ou até te excita mesmo. A minha parte escolhida é única, eu nunca vi beleza nessa parte em outras pessoas, talvez por isso seja a minha preferida. Gosto de outras partes, mas sempre tem algo ali ou aqui que eu mudaria. Mas a tal parte que eu mais gosto, não. Não mudaria nada. E nem tatuaria. Essa parte não é nenhum segredo, eu só não ando é espalhando por aí, fazendo exposição da minha beleza particular. É tão delicada, tão sutil, tão minha que não há espaço para banalizações. Poucos são aqueles que reconhecem uma beleza não pública. É uma tenuidade que deve ser descoberta casualmente, num comedido levantar de vestido, na singularidade de uma carícia delicada ou num toque diligente de alguém que, olha e percebe, assim, por acaso. Estou isenta de modéstia, com licença e obrigada. Elogios de frigorífico já me cansaram. Queria mesmo era que notassem e elogiassem, quem sabe, essa tal parte. Mas tudo isso não é uma charada e nenhum tipo de provocação lançada para quem me ler. Mas confesso, não nego, eu queria sim que alguém tomasse parte dessa minha tal parte.

Imagem: Uma sereia, John William Waterhouse.




Cartinhas & tarô

Foi quando me dei conta que eu poderia ser o que eu quisesse: santa, puta, doce, ácida, crua & tua. Eu poderia ter a minha arcada dentaria tatuada em ti, bem ali assim: a minha mordida exposta na tua pele, te mastigando através dos meus desejos mais sinceros. Então eu enxerguei a minha loucura através dos teus olhos. A tua dor foi me consumindo, e ao invés de sentir o peso dessa dor nos meus ombros, eu escolhi te ter em meus braços com tudo embutido e misturado. Tantas ressacas de tantas noites, e ainda faltam tantas risadas para além. Baby, eu não sou nada fácil, mas arranco a tua tristeza com cerveja e Jorge Ben. Eu amo me sentir livre, sempre fui assim: mente aberta, coração alerta. Mas evito sucumbir à dor de ser do mundo. Que é uma dor oca, com pitadas de frieza.  Uma dor à la Holly Golightly, sabe? De quando surge no céu uma cor assim bonita, diferente do azul habitual, e a gente fica lá parado sem cansar de olhar com os olhos encantados, entende? Mas no dia seguinte o torcicolo. E sempre foi assim: a minha bagunça fluída e a tua coisa toda tão certa - como bem disse o Veloso. Baby, eu não sou nada fácil, mas sempre volto em sete dias.




sexta-feira, 11 de março de 2016

Caminho de volta

14 dias para o reencontro. E naquele semblante sereno eu vou repousar o meu nem tão. Num abraço quente e cheio de saudades vou me enternecer. Harmonia cósmica resultante num vôo desnudo que conduz a existência minúscula ao equilíbrio. Quando estou em seus braços, sinto-me em casa. Sim, tomei do mar a minha morada e tudo agora é ressignificação. Abrigo horizontal de todos os medos e angustias; carregador da força interna e o lar da Rainha que me ensinou a ter coragem pra abandonar as desesperanças.

E não há dissabores nessa vida que me tire o ritmo das ondas que carrego no peito. Contando.


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Sobre encontros e ressacas

Uma embriaguez de vodca, tequila e cerveja pode te anestesiar, até você começar a sentir a própria língua enrolar e a pronuncia da palavra “tranquilo” se tornar engraçada, pode também te tornar alguém atrevido, destemido, daqueles que falam seus pensamentos em voz alta, desconhecendo o pudor da etiqueta ou conveniência. E quando nos damos conta, estamos evocando pensamentos até a cabeça começar a doer, inquietos, reclamões, futucando o peito lá no fundo tentando encontrar um pouco mais da gente. E como somos estúpidos fugindo de nós mesmos. É bobagem, é cilada, é triste não sabermos quem somos de verdade. Por exemplo, quando eu pergunto o que você espera da vida, eu não quero saber dos concursos que você espera passar ou se já passou, eu não quero saber qual é o carro dos seus sonhos ou se você vai fazer doutorado no exterior. Nós podemos e devemos ter nossas ambições, é lindo também, mas viver é mais uma questão de ser do que ter, e se a gente não colocar isso na cabeça de uma vez por todas, vamos nos tornas meros colecionadores de notas & pessoas. E como ser feliz num mundo onde nós não sabemos significar o que realmente importa? Afinal, você sabe como eu me sinto quando estou perto de você? O tipo de energia que você passa quando olha nos meus olhos? No fundo o que faz sentindo para que a gente mova nossos encontros aí pelo mundo, é isso: tesão pela vida, energia interna e brilho no olho. 

                                  

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Vai passar e não se morre disso

Depois da negação, a realidade. Estes mesmos olhos já olharam fixamente para outros tetos, em outras situações e diferentes intensidades. Já descobrimos que não se morre disso, mas é vital não enlouquecer com as lembranças doces e tampouco com as amarguras de um passado mal enterrado por palavras não ditas e ações paralisadas. Descobrimos também que não se fica louco disso. Loucura só se for de idéias floridas dentro da cabeça. A moça do cafezinho disse que Deus tem um propósito pra gente e que devemos ser aliados do tempo. Mas como se aprende a viver o tempo? Como se adaptar com as suas pausas e avanços? Não sabemos esperar, queremos tudo e queremos agora. Existe uma urgência dentro da gente implorando por doses de imediatismo. Mas em tempos de Vai Passar a gente se agarra a todas as energias: deuses, astros, orixás.  E se o peito dói, a gente pede força pra Obaluae, se a estrada ta escura a gente pede luz nos nossos caminhos pra Ogum, se falta crença a gente pede fé pra Jesus Cristo e se houver qualquer sinal de ódio a gente pede amor pra Iemanjá. Também acendemos diariamente incensos de sândalo pra perfumar a casa e a alma, fazemos orações pedindo por nós e pelos nossos, fazemos faxina na casa, mudamos moveis de lugar, compramos roupas novas e separamos outras pra doação, passamos a ter disciplina com a academia, porque liberar endorfina é bom e pode te deixar com o bumbum na nuca, assistir Machete porque é tradição e o filme mais indicado pra tempos difíceis. Vale tudo, inclusive oito temporadas do Dr. House no Netflix pela frente.

Vai passar, todo mundo sabe. Sempre passa e não se morre disso.




quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A concha

Azul sempre foi sua cor preferida. Das coisas que mais amava na vida lá estava o colorido que pertencia aos seus olhos. Gostava de mar, da revolta das ondas e de brincar com as espumas – que parecia bastante com as do copo de cerveja de seu pai; acreditava piamente que seria aspirado para o fundo do mar e que não seria devolvido nunca mais para o fixo permanente. Viveria nas profundezas do oceano como num filme de aventuras fantasiosas, com direito a sereias e piratas.

Certa vez, à procura do fundo do mar, cavou com as próprias mãozinhas delicadas um buraco na beira da praia ate cansar e cair num pranto desolado no colo de sua mãe, que o enchia de carinho a cada frustração.

Ainda criança mudou-se de cidade, devido à transferência de emprego de seu pai. O fato de não ter mais o litoral ao seu alcance como sempre tivera, causou-lhe uma tristeza intensa. As crianças vizinhas adoravam os típicos passeios locais infantis, como ir ao shopping ou a clubes aquáticos, mas ele, não. Achava tudo muito chato! Por conta disso, sua mãe, comovida e sempre preocupada, confortou-lhe com um presente que seria o seu amuleto para o resto da vida, uma concha, daquelas que contem as impressões de ouvir o barulho das ondas. Era um mero esqueleto de molusco, mas muito significativo ao pequenino. Ele passava horas com a concha encostada ao pé do ouvido.

Com as possibilidades de criação que o papel crepom sempre oferecera, uma caixa d'água e a areia que dispunha no quintal de sua casa, criou sua própria praia. Uma praia que lhe bastava à alma. A mãe do garoto sempre observava suas brincadeiras da cozinha com muita ternura no olhar enquanto preparava as refeições da família. 

O tempo passou. Ele vingou como ser-humano-vida-clichê. Emprego, casa, casamento, filhos e responsabilidades. Sua imaginação infantil foi sendo engolida pelas mazelas da vida adulta. Tornou-se um bom homem, porem, uma sombra da criança sensível que um dia fora. Mas nas férias é sagrado: praia com a esposa, filhos e netos. Dentro da bagagem: a concha. E quando o
peito aperta de saudade de sua mãe e ninguém está por perto observando, ele afunda os pés na areia, eleva a concha ate o ouvido esquerdo e sorri tranqüilo olhando para o céu.


para ela: R. M. G. C



sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Silencio sui generis

Dizem que ainda existe a espera do motor do carro que aguarda lá fora. Dizem que houve choro e arrependimento diante dos sentimentos inacabados, aqueles desencontrados que insistem em coçar no peito da gente. Dizem também que existe o desejo de abrir a porta para que você entrasse, depois de um “e aí?” meio sem jeito, assim de saudade. Pensaram que talvez eu pudesse te servir uma cerveja artesanal, daquelas que sobrou do natal, enquanto o humor sarcástico e despretensioso tomava conta do ambiente. No entanto, baby, não precisa aparecer, não. Sua presença já está esmagando os meus pensamentos. Você surge numa balada de Blues Rock, surge também naquele seriado do Ryan Murphy e Brad Falchuk, no clássico do Max Romeo, no 9gag, e quem diria, você surge até mesmo num romance empoeirado do Hesse que tirei da estante. Eu me basto, por hora, entendendo que é uma contradição dispensável querer a sua presença. 




quarta-feira, 10 de junho de 2015

Laços & Liberdade

Em um papo descontraído surgiu a pergunta:


“Você lembra com quantos anos aprendeu a amarrar o próprio tênis?”.
 
Bem, eu não lembro, mas talvez minha mãe sim, se isso tiver sido relevante pra ela. A pessoa que me fez essa pergunta contou com certo pesar que demorou muito a amarrar seu próprio cadarço e que até hoje o seu laço não é feito de forma prática. O mundo interno de cada um é mesmo uma nuvem de informações. Pode parecer bobo, mas um comportamento tão habitual pode estar relacionado com as expectativas, autoconfiança e até com a nossa tal liberdade. E cá estou eu, esmiuçando a metáfora dos cadarços na vida. O fato é que quando você aprende a amarrar seu próprio cadarço, dificilmente, se for possível evitar, vai pedir para outra pessoa amarrar. Você vai encontrar sua própria forma de amarração, o jeito mais fácil de passar o cadarço sobre os dedos, se é melhor por cima ou por baixo, como será seus arcos, e finalmente o seu laço final; dessa forma você passa a confiar nos seus próprios laços, pois eles foram feitos por você e com a força que você necessita para se sentir confortável. Pode ser que você se sinta inseguro com laços frouxos, e será necessária a ajuda de alguém com mais habilidade para que você passe a se sentir seguro novamente em relação aos seus próprios laços. Eu estou aqui. E eu sei que isso vai fazer sentido pra você.

Com carinho,
Para R.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Assalto

Começa com um susto. Olhos estufados quase saltando a face já pálida. Diante de uma tragédia iminente, inicia a sessão do famoso filme em câmera lenta com duração de segundos de uma vida toda. Sua memória percorreu todos os labirintos possíveis do seu cérebro. Em um deles estava o dia em que aprendeu a andar de bicicleta. O joelho ferido evidenciava a persistência que o Merthiolate evidenciaria como dor mais tarde. Lembrou de como sentia vontade de brincar de boneca quando via sua irmã brincando com as amigas da escola, mas sentia vergonha e a repressão atemporal de uma sociedade inteira pesando em suas costas. E então quando ninguém mais estava por perto, penteava os cabelos da Barbie encantado com o fascínio que a boneca sempre exercera nas mentes infantis. Pôde sentir de uma forma sinestésica o cheiro do bolo de cenoura que sua avó materna fazia. Sentia falta do carinho e de palavras doces vindas dela, mas o bolo de cenoura feito especialmente para ele com a única finalidade de evidenciar amor, suplantava qualquer carência afetiva. Lembrou do dia em que descobriu a inexistência do papai Noel e de quando teve o primeiro orgasmo. Recordou a felicidade que sentiu no dia do resultado do vestibular no qual foi classificado. Pensou em deus. O medo já havia paralisado seu corpo, em questão de tempo, sua mente também. As farras com os amigos, a musica preferida, o abraço de sua mãe, os sermões do pai, o amor mal resolvido do passado, a viagem dos sonhos, o livro de cabeceira, o mestrado não concluído e naquele momento apenas a frouxidão da energia do poste como testemunha. Repetiu três vezes o nome de deus enquanto desviava o olhar dos olhos vermelhos de ódio à sua frente. Ódio vermelho. Cano metálico & gelado pressionando violência contra sua cabeça. Mãe - o último nome que proferiu.

(Escrito em 29/09/2009; Interpretado no Teatro 4 de setembro no espetáculo PI-Ó-IR no mesmo ano)


terça-feira, 23 de setembro de 2014

Sobre se apaixonar errado


Duas cortesias pra uma baladinha alternativa era o que eu tinha pra sábado, chamei um amigo e fomos dar uma sacada na festa. Quando chegamos estava tocando Beirut, observei aquelas gentes. Gente efusiva, gente estranha, gente querendo gente e Cecília. Cecília não era a mulher mais bonita da festa, mas foi a que me chamou mais atenção pois eu havia stalkeado o facebook dela dias antes. Ela estava usando um bigode desenhado do Dalí. Sim, uma mulher bonita, feminina, sozinha e usando o bigode do Dalí. Não era uma festa a fantasia, ela não possuía nenhuma desculpa para estar daquele jeito, era apenas o que eu chamo de liberdade estilizada. 

Pensei em várias formas de abordar Cecília, a primeira foi: levar uma bebida; mas desisti porque isso é típico de quem quer dar em cima, e eu queria algo que soasse com mais naturalidade. A segunda foi: aproximar-me e fazer um trocadilho com o bigode do Dalí - mas eu não quis dar um de engraçadão e forçar a barra. A terceira: pedir para o meu amigo informar que havia um cara interessado em conhecê-la, mas eu não quis retornar a quinta-série com essa atitude e reforçar pra um desconhecido a minha covardia. O fato é que eu estava curioso, queria saber o porquê de ela estar usando aquele bigode. 

Fiquei sentado tentando criar coragem, enquanto me embriagava a noite toda, observando ela dançar sozinha. Meu amigo circulava com uma garota que ele havia conhecido ali mesmo. Não sei por que eu sempre acabo assim, sabe? Vendo a vida passar, como se ela fosse feita pelas cores e sons dos outros, apenas. Estou envolto num silencio que me faz reprimir minhas vontades repentinas. Foi-se o tempo de se apaixonar certo. Eu não consigo forjar coragem, alegria, simpatia e todas essas coisas que os outros esperam de alguém. Estou fodido e resignado. 

No final da festa ela foi embora acompanhada pelo primeiro cara que se aproximou oferecendo uma caipirinha. E eu fiquei sem Cecília e sem respostas. Fui embora sozinho, pois meu amigo já tinha descolado a fodinha da noite. Amanheci com uma ressaca daquelas que vem embutido um pacote de promessas junto. Na próxima vez, preciso me lembrar de duas coisas: não olhar pra nenhuma garota bonita enquanto toca Beirut e desligar as lembranças apodrecidas que sempre me vencem. E quem sabe assim eu me apaixone certo - terei Cecílias ao invés de analgésicos.

Imagem: Rosa meditativa, Salvador Dalí.



domingo, 24 de agosto de 2014

Soldadinhos

Eu tinha algo mágico nas mãos. Tão delicados e indefesos, você os pegava, e eles saíam caminhando. Beleza inócua. Era lindo, é nostálgico. Passaram-se alguns anos, nunca mais vi nenhum. Aqueles que surgiam aos montes em quintais de avós, em pés de carambola, aqueles que recebiam apelidos carinhosos, aqueles que sempre voltavam para brincar comigo, agora, fazem parte de uma memória em preto e branco. Foram engolidos pela realidade. Sem imaginação, sem a sinceridade que só possuímos quando somos crianças, os amigos imaginários vão embora (ou somos nós quem os abandonamos?). É como se eles levassem a nossa inocência junto com eles... Tornamo-nos escravos dos costumes, do pudor, do medo, e até de nós mesmos. Somos espectros do que fomos um dia. Éramos completos. Hoje, troco maturidade por lembranças esquecidas. E se o mundo gritasse pelo meu nome outra vez, não o obedeceria, ficaria com os soldadinhos, não deixaria que a pureza dos meus dias fosse embora junto com eles...

(Raquel Guedelha - em  09.09.2007)


domingo, 20 de julho de 2014

Amor em versos

Encontramos amor nas palavras, nos tragos que compartilhamos e nos cuidados que seduz os olhos.
Encontramos amor nas gargalhadas de doer a barriga e nos desentendimentos também.
E o amor escorre pelos olhos, pela boca, pelo nariz, pelas pernas e até pelas pontas dos dedos.
O meu amor é assim, ele pinga em você o tempo todo.
O meu amor amanhece em você, como um raio de sol que surge por uma janela iluminando apenas um ponto fixo: você. Você.
E dentre as incertezas e aflições, eu escolho sempre as alegrias.
Eu escolho os domingos ouvindo rock clássico enquanto se cria coragem pra tomar banho e sair pra ver o dia.
Eu escolho os melhores anos que ainda estão por vir.
E o mundo sempre será um deleite enquanto estivermos juntos.
Enquanto Caio Fernando diz “Que seja doce”, eu digo: que seja doce & ácido – isso é sobre as aventuras que um dia contaremos aos netos.




segunda-feira, 14 de julho de 2014

Os culpados

Eu já sonhei que escalava o monte Everest e que brincava com deus lá do alto, mas não de. Ouvia música nas Montanhas Mágicas de Mann junto com Castorp. Catherine desistia de casar-se com Linton, e por conta disso sempre houvera paz no Morro dos Ventos Uivantes. 

Eu tenho um irmão que criou um país e um idioma pra gente brincar quando éramos crianças, a Dinlanda. Eu nunca fui fluente no “Dinlandês”, mas adorava morar naquela pátria, me divertia com nosso país imaginário e isso me enche de boas lembranças e me proporciona até hoje risadas de encantamento. Ainda na infância meu irmão lia para mim todas as tardes Wuthering Heights, o meu primeiro livro literário e o inicio de uma paixão. 

Na minha casa havia muitas árvores, todo tipo de pé de fruta, feliz por ter comido fruta em cima do pé, por transformar areia em “pó mágico” e as plantas em amigos inanimados. Feliz por ter aprendido desde cedo com meus pais a demonstrar gratidão, a ser gentil com as visitas e não ser refém das más emoções. Feliz pelo bolo de cenoura da minha avó materna, dona dos apelidos mais criativos que um neto pôde colocar. Feliz pelas onomatopeias criadas pela minha avó paterna a cada historia contada. Feliz por ter tido um avô materno estilo Forest Gump. E por ter um avô paterno dono do melhor português, dos melhores livros e por ter recebido dele os melhores doces que um avô pode dar a uma neta. 

Acordei saudosista e focada em entender porque tenho os sonhos mais loucos, como esses do inicio. E acredito que a culpa dessa imaginação volátil é daqueles que fizeram da minha infância a minha melhor saudade. 




“Minha pátria é minha infância:
por isso vivo no exílio”
(Lar doce lar, Cacaso)

sexta-feira, 21 de março de 2014

Síndrome de Sinatra

É sobre começar cantando Singing In The Rain e sentir vontade de sair pelas ruas rodopiando em postes faça chuva ou sol. Fechar os olhos por um instante e querer viver para sempre só pra nunca ter que desgrudar as peles. Desejar que o sol jamais morresse e que o mosaico de sorrisos em cerâmica vermelha que carrego no peito perdurasse além do que os cientistas prevêem sobre o astro principal. É sobre ter uma visão realista e romântica sobre todas as coisas e escolher sempre a mais doce. É sobre um pé na bunda iminente. Porres homéricos sozinho e semanas sem pentear o cabelo. É sobre terminar cantando In The Wee Small Hours.

(escrito em 01/08/2011)

quinta-feira, 20 de março de 2014

Lupa & pinça

Tempos atrás eu me importava menos com os porquês. As injustiças apenas me incomodavam, hoje em dia elas me sufocam, e é nesse sufoco que eu GRITO. Perco o folego, mordo os lábios, verto lágrimas e GRITO.  O mundo que me abrigava era bastante confortável, de cores claras e balões festivos. Sair dali era tatear o desconhecido, sair da zona de conforto, quebrar correntes, correr & pular no escuro. A sensação era de estar vivendo em câmera lenta, peito calado, pausas silenciosas. Sentir coçar e não poder esfregar com as unhas.

Lembro da minha primeira inercia diante o medo, quando ouvia passos estranhos à minha janela, no meio da madrugada, a vontade era de correr pros braços da minha mãe e falar do ladrão a rondar a casa, mas não, eu ficava estática, olhos estufados, respiração ofegante e coração descontrolado. Quem abafou o meu grito por tanto tempo?

Então eu procurei as respostas, meticulosamente, dentro de mim, preferi procurar com a ajuda de uma lupa e pinça, em todas as minhas partes vitais, mas se você for tentar também, eu sugiro que a busca seja mais detalhada no coração, a melhor metáfora no quesito sentimentos, sempre. Procure quem ou o que te faz se sentir estragada. Eu achei uma burrice emocional gigante. E joguei fora. Joguei fora no lixo. Coloquei uma peça bem grande de sossego com essência de paz no lugar.

Matando um dragão por dia: sou vencedora dos meus próprios medos & mágoas.  


quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Beijosmeliga?

Eu esperava ansiosamente por notícias, de quem ou sobre o que, até hoje eu não sei. Esperei por pedidos de desculpas, e por ligações sentimentalistas...
Trim-trim: A telemar avisa... tu.tu.tu.

Eu esperava por uma visita amistosa e sem grandes pretensões, alguém que batesse na minha porta e dissesse: “Oi, passei aqui só pra te dar um abraço”.
Din-don: - Quem é? – Correio!

Nem tudo estava perdido, ainda existia a possibilidade de uma carta: Banco do Brasil, Conta telefônica...

Tudo bem, certamente o consolo chegará por e-mail... Caixa de entrada. Uma mensagem não lida: Clique aqui e aumente seu pênis. 

Largada e assistindo Ana Maria Braga, vi-me entregue a decadência doméstica. Porém, eis que “Loosing my religion” do REM começa a tocar. É o meu celular! Começo uma “caça ao celular”. Achei! Alguém me mandara uma mensagem. Caixa de entrada. Uma mensagem não lida: Insira novos créditos. 

Totalmente jogada às traças, mergulhada no esquecimento alheio, resolvi sair de casa. Fui ao centro, debaixo de um sol escaldante. Talvez eu encontre alguém conhecido, que me diga o quanto sente minha falta. 

Então, eis que de repente, vejo alguém com os braços estendidos caminhando em minha direção. Um pequeno papel é lançado em minhas mãos: Irmã Janaína - Trago o amor da sua vida em 7 dias.

(Escrito em 04/09/2007. Publicado na revista literária Trimera - Casa de Letras)